Por Janine Alves, colunista de economia,
Enquanto o país assiste atônito aos desastres climáticos se tornarem rotina, o Congresso Nacional acelera a tramitação do Projeto de Lei 2159/2021, que flexibiliza as regras do licenciamento ambiental. O texto, que pode ser votado a qualquer momento no Senado, é duramente criticado por ambientalistas, juristas e pelo próprio Ministério do Meio Ambiente, que afirma que a proposta “representa desestruturação significativa do regramento existente” e afronta o artigo 225 da Constituição. A aprovação do projeto, na prática, oficializa um modelo que prioriza a autorização facilitada de empreendimentos, mesmo quando há riscos claros de impacto ambiental — ignorando lições recentes e tragédias anunciadas.
O exemplo do Rio Grande do Sul é incontornável. Entre 2018 e 2019, o estado revogou ou alterou pelo menos 480 normas ambientais. Cinco anos depois, em maio de 2024, enfrentou a maior enchente de sua história, com centenas de mortes, milhares de desabrigados e prejuízos econômicos incalculáveis. Em Florianópolis, o Plano Diretor foi flexibilizado em 2023, e em janeiro de 2025 uma enxurrada — como há décadas não se via — transformou ruas em rios e deixou bairros inteiros em colapso. A repetição do ciclo é óbvia: flexibiliza-se hoje em nome do “progresso”, e amanhã veste-se o colete da Defesa Civil diante do caos.
A tentativa de relativizar a responsabilidade institucional em nome da agilidade econômica é, na verdade, um projeto de curto prazo que custará caro ao Brasil. Os desastres naturais já comprometem rodovias, destroem cadeias produtivas, afastam investimentos e oneram o Estado com reconstruções emergenciais que poderiam ser evitadas com políticas de prevenção robustas. Ignorar isso é abdicar de planejamento e governança — dois pilares centrais de qualquer estratégia econômica séria.
A ministra Marina Silva alerta que o PL 2159 também viola o princípio da proibição do retrocesso ambiental, consolidado na jurisprudência brasileira. Para o Ministério do Meio Ambiente, a proposta abre caminho para obras e empreendimentos sem estudos prévios adequados, enfraquece a fiscalização e fragiliza o papel do Estado como garantidor da segurança ambiental e social.
O que se vê, portanto, não é um embate técnico, mas político: de um lado, o lobby de setores econômicos que enxergam a legislação ambiental como entrave; do outro, a ciência, a Constituição e os alertas que se acumulam a cada tragédia. O preço de ignorá-los é alto — e quem paga é a sociedade, principalmente os mais vulneráveis.
A pergunta que permanece é: a quem interessa legislar em favor do retrocesso ambiental em pleno colapso climático? Porque quem permite a flexibilização, diante de todas as evidências, não está promovendo o desenvolvimento — está normalizando a calamidade.