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Expectativas ou especulação? Como narrativas moldam o cenário econômico no Brasil

Por Janine Alves,

A economia é permeada por expectativas. Elas moldam os indicadores econômicos e a percepção sobre o futuro. Em 2024, o Brasil vive um paradoxo: indicadores positivos como crescimento do PIB, inflação controlada e redução do desemprego coexistem com um pessimismo acentuado nos discursos de parte do mercado e na exploração política desse sentimento.

Enquanto a preocupação em relação ao futuro do país ocupa a agenda do Governo e do setor produtivo, pois ambos trabalham para o aumento da produção, do emprego e da renda e, consequentemente, para a circulação do dinheiro e geração de riqueza, o “mercado” coloca o foco no déficit fiscal e favorece a especulação financeira. Em um vídeo que circula nas redes sociais, deputados de oposição comemoram, indiferentes a gravidade do atual cenário, o aumento recorde do dólar. Isso demonstra que a batalha não é só econômica, mas que a preocupação deles está lá na frente nas eleições presidenciais e possível reeleição do Presidente Lula ou seu possível sucessor.

Mas para quem está com saudades de Paulo Guedes, ministro da Economia do Governo Bolsonaro, e de sua política ultraliberal, uma informação relevante: durante o governo Bolsonaro (2019-2022), o Banco Central – BC realizou 113 leilões de venda de dólares no mercado à vista, totalizando aproximadamente US$ 74 bilhões. Já no atual governo de Luiz Inácio Lula da Silva, iniciado em janeiro de 2023, o Banco Central intensificou as intervenções no mercado cambial apenas nas últimas duas semanas.

O BC entrou tarde nessa batalha, segurou medidas importantes de controle do dólar e manteve a taxa básica de juros alta mesmo com o controle inflacionário lá no início do processo. Agora, as consequências: o BC vai ter que leiloar mais dólares diante da incerteza da medida surtir efeito ou não. Até porque a valorização da moeda americana também segue referências das redes sociais e das informações falsas que circulam. Nessa quinta-feira (19), um sinal positivo, a ação do BC surtiu efeito e o dólar caiu para R$ 6,12 e hoje opera a R$ 6,06.

No entanto, essa semana, dentre outros acontecimentos, o “mercado caiu na pegadinha fake que atribuía falas de Gabriel Galípolo, futuro presidente do BC e atual diretor de política monetária, em relação a uma moeda do Brics e em como isso poderia proteger o mercado da influência do dólar. Resultado do mercado não checar as informações, o dólar bateu recorde, foi às alturas e chegou a R$ 6,30.

Esse fato mostra que o cenário e as expectativas, aparentemente, independem das sinalizações do Governo Federal quanto ao controle da inflação, do déficit público (com o esforço fiscal), do dólar ou mesmo da sinalização histórica da aprovação da Reforma Tributária pelo Congresso, mas das narrativas criadas para dar sustentação ao pessimismo. Algumas cartas estão postas na mesa, enquanto outras seguem “escondidas na manga” e favorecem a percepção de que a “economia vai mal”.

 

A teoria por trás do “caos”

É necessário entender a base teórica por trás das expectativas para analisar esse fenômeno que está acontecendo no Brasil. John Maynard Keynes introduziu o conceito de “animal spirits” em A Teoria Geral do Emprego, do Juro e da Moeda (1936), destacando como as decisões econômicas muitas vezes são guiadas por emoções e instintos.

Posteriormente, a Teoria das Expectativas Racionais de Robert Lucas (1972) ressaltou que os agentes econômicos baseiam suas decisões em informações disponíveis e em previsões racionais sobre o futuro. No entanto, mesmo dentro desse arcabouço racional, os vieses políticos e a miopia podem distorcer expectativas, como observamos no Brasil atual.

Os gastos das famílias e do Governo têm sido pilares fundamentais para sustentar o crescimento econômico do Brasil, especialmente no contexto da retomada econômica após a pandemia. Este movimento encontra respaldo na teoria keynesiana, que defende a importância da demanda agregada para impulsionar a economia em momentos de recessão ou desaceleração.

No Brasil, o consumo das famílias é reforçado pela queda do desemprego e pelo aumento real do salário mínimo, enquanto os gastos governamentais em programas sociais e investimentos públicos desempenham um papel essencial no aquecimento da economia. Mas essa estratégia não está isenta de desafios. O aumento dos gastos públicos para fomentar o crescimento tem gerado déficit fiscal para o Governo Federal. Embora esse custo seja motivo de preocupação, os resultados práticos são inegáveis. O Produto Interno Bruto (PIB) brasileiro supera expectativas e apoia um crescimento econômico consistente. Projeções do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (IPEA) e do BC indicam que o PIB deve encerrar o ano com um avanço em torno de 3,5%, um desempenho acima das previsões iniciais do mercado.

A combinação de estímulos ao consumo interno e à expansão econômica demonstram que, apesar das limitações fiscais, a política econômica tem funcionado na prática e sustentado o crescimento do PIB. Um dos desafios é equilibrar a manutenção do crescimento com a responsabilidade fiscal e buscar formas de financiar os gastos públicos sem comprometer a sustentabilidade das contas no longo prazo.

Vale lembrar que o crescimento da economia e a maior circulação de dinheiro geram receitas adicionais para o governo por meio da arrecadação de impostos, o que pode aliviar a pressão sobre o déficit fiscal. No entanto, a política monetária, por meio do aumento da taxa básica de juros para conter a inflação ou sinalizar disciplina fiscal, tem impactos significativos no orçamento e no aumento de recursos para o pagamento de juros das dívidas.

 

A dívida pública que tanto assusta

Com dívida bruta de 84,67% do Produto Interno Bruto (PIB) e juros básicos em 12,25%, o Brasil é o país que mais paga encargos no mundo, com uma taxa de 5,97% do PIB de acordo com dados do Conselho de Estabilidade Financeira (FSB). Estima-se que cada ponto percentual adicional na taxa Selic eleva os gastos com juros da dívida pública em cerca de R$ 52 bilhões anuais, ampliando o peso do custo financeiro nas contas públicas. Além do déficit, o governo enfrenta o desafio de lidar com o aumento da despesa com juros, exigindo um equilíbrio cuidadoso entre crescimento, controle da inflação e sustentabilidade fiscal.

O crescimento acelerado da dívida pública brasileira tem gerado preocupações não apenas pelo elevado patamar da Dívida Bruta do Governo Geral (DBGG), mas pela velocidade com que essa dívida vem aumentando nos últimos anos. Segundo a Instituição Fiscal Independente (IFI) do Senado, para estabilizar essa relação, o Brasil precisaria registrar superávits primários anuais de 2,4% do PIB, uma meta que se mostra distante frente ao cenário atual.

Projeções indicam que a DBGG pode ultraar 100% do PIB até 2030 e alcançar 116,3% em 2034, destacando uma tendência mais grave do que a prevista por outras instituições, como o Tesouro Nacional. Embora avanços institucionais, como a reforma tributária e o acordo Mercosul-União Europeia, possam trazer melhorias a médio e longo prazos, a deterioração das expectativas dos investidores sobre a solidez fiscal e a sustentabilidade da dívida pública permanece evidente.

Além disso, as receitas extraordinárias previstas no orçamento de 2025 são consideradas superestimadas pela IFI, enquanto as medidas de contenção de despesas propostas pelo Executivo são avaliadas como insuficientes para alcançar o superávit necessário. Esse cenário reflete a urgência de políticas mais consistentes para controlar o endividamento e restaurar a confiança na política macroeconômica do país, e isso requer atenção redobrada da equipe econômica do Governo, mas principalmente do Presidente da República.

 

Indicadores positivos ignorados e o “péssimo exagerado”

Os dados mais recentes confirmam uma trajetória econômica favorável para o Brasil:

  • PIB acima das expectativas: segundo a Confederação Nacional da Indústria (CNI) e o IPEA, o crescimento projetado para 2024 supera as estimativas do próprio governo. No segundo trimestre de 2024, o PIB cresceu 1,8%, puxado pela indústria (+1,8%) e serviços (+1%). Mais recentemente, o Banco Central elevou a projeção para o crescimento do PIB de 2024 de 3,2% para 3,5%. Para 2025, a previsão também foi revisada de 2,0% para 2,1%.
  • Taxa de Desemprego: a taxa de desemprego atingiu 6,2% no trimestre encerrado em outubro de 2024, o menor nível desde o início da série histórica em 2012. Esse resultado reflete a criação de empregos formais e informais, impulsionada por setores como comércio e serviços.
  • Redução da Miséria: dados do IBGE indicam que a pobreza extrema no Brasil caiu para 4,4% em 2023, o menor patamar da história. Programas sociais, como o Bolsa Família, desempenharam papel fundamental nessa redução, retirando milhões de brasileiros da linha da miséria.

 

O último Boletim Focus, divulgado em 13 de dezembro de 2024, revela mudanças nas projeções econômicas para os próximos anos. A inflação (IPCA) foi revisada para 4,89% em 2024 e 4,60% em 2025, enquanto o PIB aponta crescimento de 3,42% para 2024 e 2,01% para 2025, indicando uma expansão moderada. O câmbio deve alcançar R$ 5,99 em 2024 e R$ 5,85 em 2025. Já a Selic segue em alta, com previsão de 14% para 2025, reforçando uma política monetária restritiva. Esses indicadores refletem um cenário desafiador, exigindo coordenação fiscal e monetária para equilibrar crescimento econômico e controle da inflação.

O cenário econômico para 2025 sugere a manutenção de juros elevados e um câmbio pressionado, exigindo políticas fiscais e monetárias coordenadas para restaurar a confiança dos investidores e estabilizar a economia. A persistência de desafios fiscais e a necessidade de ancorar as expectativas de inflação indicam que o Banco Central poderá manter uma postura monetária restritiva por um período prolongado.

Os colunistas são responsáveis por seu conteúdo e o texto não reflete, necessariamente, a opinião do Portal Making of.

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