A linguagem dos espíritos
Novembro, 2022
El tiempo, el implacable, el que pasó cantava Pablo Milanés. Sim, o tempo tem sido implacável ao levar embora quem aprendemos a irar por toda a vida. Percebemos nossa própria finitude a cada partida. Elas foram tantas em novembro que a gente mal consegue processar a ausência de cada um.
Esta semana, no mesmo dia perdemos Pablo Milanés e Erasmo Carlos. Como explicar a importância deles na minha história? Erasmo chegou na minha infância e se fortaleceu no que hoje denominam de pré-adolescência. O Tremendão, como era chamado, fazia parte da Jovem Guarda, talvez o movimento brasileiro mais importante da minha geração quando se fala em costumes. Sabíamos cantar todas as suas músicas e parcerias com Roberto Carlos, esse que agora deve estar chorando a perda do velho amigo. Se serve de consolo, Erasmo nunca caiu no ostracismo, como outros veteranos. Continuou se apresentando, fez cinema, foi regravado por músicos das novas gerações até o fim. No seu último aniversário, o geminiano como eu, brincou ‘“gols e bolas na trave fazem parte do jogo, já que a vida é curta e minha vontade é eterna” Agora, restam a sua imensa obra e a emoção de ouvir seus versos…
Além do horizonte deve ter
Algum lugar bonito pra viver em paz
Onde eu possa encontrar a natureza
Alegria e felicidade com certeza
O cubano Pablo Milanés entrou na trilha sonora da minha existência na esteira da música latino-americana, tão importante nos terríveis anos de chumbo . Apaixonei-me assim que ouvi a primeira “trova cubana” e conheci a figura de cabelo afro e olhar doce desse outro “gigante”. Ouvi-lo com Chico Buarque e Milton Nascimento só fez crescer minha iração pela sua obra. Ainda gosto de ouvi-lo no velho vinil de capa verde.
Encontro
Gosto de imaginar, como comentei com meu amigo Ricardo Von Dorff, que os dois se encontraram na chegada “ lá em cima”. Erasmo olhou e disse : “tu por aqui também, bicho?”. Pablo respondeu , cantarolando e rindo ´ la vida no vale nada si no es para perecer”. Ao menos, estoy em buena companhia, replicou o brasileiro arranhando um portunhol.
Mira quién está ahi, Erasmo, mira ! Pablo apontava para Gal e Boldrin, ensaiando uma canção sob um maricá florido. Do outro lado, Nico Fidenco, que também chegara há poucos dias , aquecia sua voz de veludo … A casa d’Irene si canta si ride
C’e gente che viene, c’e gente che va
Perto dali , Khalil Gibran sacudia a cabeça e repetia: a música é a linguagem dos espíritos!
[Brígida De Poli]
_______________________________________
Paranhana Literário n° 14
A nova edição da Paranhana traz vários artigos e entrevistas interessantes. Na minha coluna “O livro que virou filme” (pág. 60) falo sobre “s”, cinebiografia e livro sobre a trágica vida da atriz s Farmer. Aqui o link.